Há um lugar no Rio de Janeiro onde as fotos de Carolina Dieckmann nua, vazadas na internet no início de maio, continuam dando o que falar. A Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), localizada no segundo andar da 6ª DP, no centro da cidade, já registra aumento significativo no número de registros de ocorrência desde que o episódio com a atriz da TV Globo tomou dimensão pública.
“Não é só comprar um computador, deixá-lo com o filho e ir trabalhar.”
Segundo dados da DRCI, os crimes cibernéticos têm aumentado a cada ano. Só em 2011 foram registrados, no Rio, 1.133 casos, entre crimes de injúria, estelionato, ameaça e extorsão. Mas se imagina que este número seja ainda maior. Isso porque muita gente ainda não sabe que existe uma delegacia especializada neste tipo de investigação. “É incrível como aumentou, e muito, a procura de gente vindo aqui desde que o caso da Carolina foi noticiado. Muitos não faziam ideia de que a delegacia existia”, conta o inspetor Rodrigo Valle, do Grupo de Operações em Portais da DRCI, encarregado de falar com a imprensa no lugar do delegado Gilson Perdigão.
A reportagem do iG passou um dia na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática, única no estado, acompanhando a rotina de quem vai à procura de esclarecimentos envolvendo a rede de computadores. Em absolutamente todos os casos deste dia havia crianças ou jovens envolvidos. Quase ninguém quer ser fotografado. Nos dois últimos anos, a DRCI só registrou três casos como o de Carolina Dieckmann, com o agravante de extorsão. A maioria dos crimes envolve difamação.
“Falta esclarecimento por parte da população. Não é só comprar um computador, deixá-lo com o filho e ir trabalhar. É preciso ficar atento ao que eles estão fazendo na internet. Rede social não é brincadeira de criança”, alerta Rodrigo Valle, que vai a escolas todo mês dar palestras de orientação a pais e professores sobre o uso da máquina.
Agressão via Facebook
O segundo andar do departamento policial está tranquilo. A secretária fala ao telefone sobre uma receita de bolo de abacaxi. Um homem de terno sai da sala de investigações lamentando o atraso com algum processo seu: “Se fosse a Carolina Dieckmann era rapidinho...”.
O nome da atriz seria ouvido outras tantas vezes até o final do dia. Na DRCI, “Dieckmann” virou exemplo para tudo.
Cintia Oliveira, 33 anos, auxiliar de marketing, chega ao local com suas duas filhas, Cristina, 12, e Victoria, 8. Ela explica para a técnica de assistência social que sua mais velha foi agredida na rua por uma menina de 14 anos, após ameaça via Facebook. Cintia traz consigo cópias da troca de mensagens na rede social.
À espera de ser chamada por um dos inspetores, ela se senta e aguarda. “Fui no Conselho Tutelar e me encaminharam para cá. Não sabia que tinha delegacia de informática”, ela puxa conversa. E explica o seu caso. “Minha mais velha vai ser modelo e isso está atraindo a inveja das colegas. Uma das meninas chamou ela de filha da p*, disse que ia bater nela. E bateu. Ela não consegue nem mexer o pescoço de tanta dor”, conta. A jovem permanece o tempo todo de cabeça baixa.
Perguntada se ela acompanha a vida online de suas filhas, Cintia esclarece que sim. “A mais nova fez um Facebook há pouco tempo. Tem 8 anos, já está na hora mesmo. É bom para ter contatos. Eu mesma tenho muitos famosos no meu perfil. Isis de Oliveira, Marcos Zanolli, aquele sambista... como é mesmo o nome dele...? Adoro ele...”, diz a auxiliar de marketing, assumindo que não é amiga real de nenhum deles.
“Anjo bissex”
Cerca de uma hora depois, chega um grupo de sete pessoas, sendo dois idosos e cinco adolescentes. Um inspetor surge no corredor e, já parecendo saber do que se trata, se dirige aos jovens. “Quando eu souber quem é o anjo bissex, vou ficar satisfeito. Ou será que não tem nenhum bissexual aqui? Será que a avó de vocês mentiu colocando fotos de homens no computador?” Nenhum dos jovens responde a provocação.
Lúcia Pereira, de 67 anos, conta que comprou um computador Positivo nas Casas Bahia, em doze vezes. Colocou banda larga. Meses depois, apareceram fotos de homens nus em seu computador domiciliar. Apenas os netos o utilizam, segundo ela. “Quero saber qual deles é o pornográfico”, diz Lúcia.
“Vocês viram o caso da Dieckmann, não viram? A gente vai descobrir quem está mentindo.”
O inspetor volta. “Vocês viram o caso da Dieckmann, não viram? A gente vai descobrir quem está mentindo. Vocês não têm 18 anos, podem ficar tranquilos que no Brasil nenhum ‘de menor’ é preso. A gente só quer a verdade”, diz ele. “Às vezes você tem um desejo entubado e não fala. É só se revelar”, continua, irônico.
Lúcia se mantém ao lado da sua CPU, a prova do “crime”. Diz que não sabe nem ligar o computador e que se assustou quando viu as fotos mostradas por um deles. O nome da atriz vem mais uma vez. “Eles prenderam o cara que pegou as fotos da Carolina Dieckmann. Vamos ver se vão solucionar o meu problema também”, diz a senhora, com esperança.
Ao tomar conhecimento através da reportagem do iG sobre a maneira que o inspetor falou com os jovens deste caso, o corregedor Interno da Polícia Civil Gilson Emiliano orienta que, em casos como este, somente pode agir “se a pessoa se sentir desrespeitada no atendimento dentro de uma delegacia de polícia”. Neste caso, ela deve procurar a Corregedoria.
No meio da tarde, uma mãe chega de óculos escuros, bem vestida. Traz junto seu filho, que não aparenta ter mais do que 15 anos. Não quer falar, menos ainda fazer fotos. A secretária comenta baixinho: “Deve ser caso envolvendo pedofilia. Quando a atitude é assim...”, diz. Logo é levada a uma das salas para fazer seu relato em particular.
“As pessoas estão abrindo mão de sua privacidade, direito constitucional, a troco de nada.”
Todos os casos são registrados e encaminhados para averiguação policial. Na DRCI há quatro policias encarregados da investigação. Todos também são técnicos de informática e engenheiros de rede, com ampla experiência em programação, HTML e IDS (Intrusion Detection System. Em português, Sistema de Detecção de Intrusos). O número de agentes já começa a ser insuficiente. No ano passado havia uma média de quatro registros de ocorrência por dia. Este número dobrou desde que Carolina Dieckmann subiu ao segundo andar da DRCI.
“Nosso público é mais de jovens, que são os que ficam na internet o dia inteiro. A vítima em potencial é aquela que tem perfil em rede social, coloca fotos abertas de praia e momentos de lazer, dá detalhes de onde mora e estuda, narra o que faz durante o dia... O sujeito mal intencionado chega a ela através de um perfil falso, citando as informações que a própria vítima disponibiliza”, relata Rodrigo Valle, do Grupo de Operações em Portais da DRCI.
Sala secreta
Na DRCI há uma sala secreta onde apenas pessoas autorizadas podem entrar. Quando há registros de fotografia em frente a computadores, eles são feitos no primeiro andar. Ali estão quatro supercomputadores para investigações e buscas de dados em rede aberta. Todos com processadores Quad Core, 12 Giga RAM, 1 Tera de HD e softwares exclusivos. Foi daquela sala que se chegou ao hacker que espalhou as fotos da atriz global.
Rodrigo conta que o PC é muito mais atacado do que computadores da Apple, os Macintosh. “Os PCs com Windows são mais populares, por isso a incidência é maior. Porém os produtos Macintosh têm sistema fechado, são difíceis de abrir. Isso também pode dificultar”.
Desde que se chegou ao suspeito pela divulgação indevida das fotos de Carolina Dieckmann, em duas semanas, as pessoas passaram a criticar nas redes sociais a agilidade da investigação no caso da atriz e a morosidade para se prender pedófilos da rede.
Rodrigo Valle diz que são casos bem distintos. “A Dieckmann sofreu difamação com extorsão. Aí houve colaboração do judiciário. Quando tem extorsão é mais rápido. Também estamos investigando uns casos de pedofilia que logo serão concluídos”, defende o inspetor. Ele também dá dicas para se reduzir as chances de se tornar vítima de crimes de informática. “É preciso ser discreto com o que for publicar. Você não sabe quem está acessando. As pessoas estão abrindo mão de sua privacidade, direito constitucional, a troco de nada”, diz.
Nenhum policial, inspetor ou investigador, nem mesmo a secretária, tem perfil em alguma rede social. “Por isso eu passo a receita do bolo de abacaxi por telefone, se não postava no Face”, lamenta a secretária.
IG
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