BUENOS AIRES — Depois de mais de 30 anos de luta das Avós da Praça de Maio, a Justiça argentina condenou, nesta quinta-feira, o ditador Jorge Rafael Videla, de 86 anos, a 50 anos de prisão por ter comandado um plano sistemático de roubo de bebês durante a ditadura argentina. Antonio Vañek foi condenado a 40 anos de prisão; Jorge “El Tigre” Acosta a 30 anos; e outro ditador, Reynaldo Bignone, teve sentença de 15 anos. Além deles, sete pessoas (entre militares, médicos e civis) foram condenados a penas que vão de 5 a 50 anos de detenção. Todos estavam sendo julgados desde fevereiro de 2011. O allmirante Rubén Omar Franco e o ex-agente de inteligência Eduardo Ruffo foram absolvidos.
A sentença foi anunciada nos tribunais de Comodoro Py, na capital argentina. Do lado de fora, centenas de manifestantes acompanharam o último dia de um julgamento que começou em 28 de fevereiro do ano passado. A decisão impedirá o ex-ditador de continuar solicitando o benefício da liberdade condicional, permitido na Argentina a partir dos 20 anos de reclusão (desde 84, Videla já passou quase 20 anos detido, incluído um longo período de prisão domiciliar).
Em 1984, num julgamento histórico de figuras-chave da última ditadura argentina (1976-1983), foram apresentados seis casos de bebês que teriam nascido em centros clandestinos de tortura. Mesmo assim, os tribunais consideraram o ex-ditador Jorge Rafael Videla inocente. Desde 1984, Videla já passou quase 20 anos detido, incluindo um longo período de prisão domiciliar. Em dezembro de 2010, o ex-ditador foi condenado à prisão perpétua pelo assassinato de 31 presos políticos na província de Córdoba.
- Videla já apresentou um pedido de liberdade condicional, mas foi rechaçado. Esta condenação também é importante para garantir sua permanência na prisão - disse ao GLOBO o advogado da acusação, Alan Iud, que representa as Avós da Praça de Maio.
Pelas mesmas acusações, Reynaldo Bignone, ditador entre 82 e 83, foi sentenciado a 15 anos de prisão. Com penas de cinco a 40 anos foram condenados os militares Santiago Omar Riveros, Jorge “El Tigre” Acosta, Antonio Vañek, Jorge Magnacco, Juan Antonio Azic e Víctor Gallo, além da civil Susana Colombo.
Deputada é um dos casos mais famosos
Segundo Iud, “ficou claro que o roubo de bebês foi uma política de Estado na ditadura”. Durante o julgamento, o promotor Martín Niklison assegurou que, “depois do golpe de Estado de março de 76, os militares decidiram que também seria necessário sequestrar mulheres grávidas e casais com filhos pequenos. Assim, afirmou, surgiram as maternidades clandestinas em quartéis militares e “um plano muito bem preparado” para distribuir os bebês que iam nascendo.
Durante um ano e meio, foi investigado o roubo de 35 bebês, dos quais 28 hoje são jovens com mais de 30 anos que já descobriram sua verdadeira identidade. Francisco Madariaga, que na nesta quinta-feira completou 35 anos, é um dos netos encontrados nos últimos anos pelas avós argentinas. Francisco decidiu denunciar não somente os chefes militares da ditadura, mas, também, seus pais adotivos que, segundo ele, o submeteram a terríveis maus tratos. Um dos casos mais conhecidos é o da deputada Victoria Donda, da Frente Ampla Progressista (FAP), reeleita em outubro do ano passado e uma das figuras mais carismáticas do Congresso argentino.
Victoria ainda se sente incomodada com o caso. Ao ser perguntada esta semana sobre seus sentimentos em relação a sentença, a deputada disse que espera encerrar uma etapa de sua vida. Seu pai adotivo, ou “apropriador”, é Juan Antonio Azic, de 70 años, oficial de inteligência da época da ditadura, que foi condenado a 14 anos de prisão nesta quinta-feira.
- Pessoalmente me parece que essas coisas levam um tempo para serem processadas e ainda está muito cedo. Mas espero que, com isso, uma etapa importante da minha vida seja encerrada. O fundamental é que, com este julgamento, mostra-se que o plano de apropriação de bebês foi um plano sistemático organizado pelo Estado.
Outro caso famoso é o de Marcela e Felipe Herrera de Noble, herdeiros do grupo Clarín, que seriam filhos de presos políticos desaparecidos. Foram realizados vários exames, mas todos indicaram o contrário. Para as avós o caso continua aberto. Já Marcela e Felipe o consideram encerrado.
Avós da Praça de Maio
Depois de terem passado por centros de detenção na década de 80, quando foram julgados e condenados por violações dos direitos humanos durante o governo militar, todos os chefões da ditadura argentina solicitaram o privilégio da prisão domiciliar, alegando problemas de saúde e idade avançada. Em 2008, numa decisão inédita no país, o juiz argentino Norberto Oyarbide revogou o benefício da prisão domiciliar (concedido a pessoas acima dos 70 anos) ao ex-ditador Jorge Rafael Videla, então com 83 anos, acusado, entre outros crimes, de ser o responsável pelo seqüestro de bebês durante o último regime militar (1976-1983).
No dia 23 de outubro de 1977, oito mães de desaparecidas na ditadura faziam sua primeira reunião, convencidas de que suas filhas estavam grávidas ou com recém-nascidos quando sumiram. Nascia ali as Avós da Praça de Maio. Já se passaram 16 anos desde que elas decidiram denunciar à justiça argentina a “apropriação sistemática” dos netos desaparecidos durante a ditadura.
- Os militares cometeram crime atrozes, que não podia continuar impunes. Hoje é um dia de grande alegria e sensação de vitória - afirmou Rosa Roisinblit, vice-presidente das Avós da Praça de Maio.
Muitos dos acusados já morreram, como o ditador Emilio Eduardo Massera. O advogado que agora defende a causa, de 31 anos, nem haviam nascido quando os rostos dos bebês foram divulgados. Desde então, 105 netos recuperaram sua identidade biológica. E ainda restam 400 denuncias, de acordo com os cálculos das Avós.
globo.com
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